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Foto do escritorLeonardo Bonifacio

Angioedema Hereditário: o que você precisa saber

O Angioedema Hereditário (AEH) é uma doença rara, que pode afetar várias pessoas da mesma família. É uma doença subdiagnosticada, ou seja, demora muito tempo para que o diagnóstico certo seja feito. Como pode ser fatal, esse atraso no diagnóstico gera um grande problema para o paciente e possíveis outros familiares. O que você precisa saber sobre o Angioedema Hereditário?


Angioedema na boca

Angioedema Hereditário: o que você precisa saber


Angioedema


Primeiro, vamos começar definindo o que é um angioedema. O angioedema é um edema (inchaço) que acontece na região da pele ou mucosas, e é causado pela alteração da permeabilidade dos vasos locais (angio=vasos). Os lugares mais comumente acometidos são a face, principalmente região periocular (em volta dos olhos) e boca, mãos, pés e região genital. Porém, o angioedema pode aparecer em qualquer parte do corpo, inclusive afetando órgãos, como o intestino.


Dependendo da doença e dos fatores desencadeantes, o angioedema pode aparecer associado a urticária (lesões e placas eritematosas [vermelhas], com prurido [coceira], que desaparecem em menos de 24 horas), ou aparecer sozinho. Essa associação, apesar de não ser concreta, ajuda a fechar o diagnóstico da causa, pois algumas doenças tem prevalência maior de aparecer uma, outra, ou ambas associadas.


Diversos mecanismos vem sendo abordados sobre o aparecimento do angioedema, e conforme novos estudos surgem, outros mecanismos anteriormente desconhecidos são apresentados. O angioedema pode ser causado pela histamina, um potente agente envolvido nos processos alérgicos, explicando o aparecimento do angioedema nos casos de alergia. Também pode ser causado pela bradicinina, uma molécula que desempenha papel na permeabilidade dos vasos. É o caso do angioedema causado pelos anti-hipertensivos da classe IECA (inibidores da enzima conversora de Angiotensina), como o captopril, enalapril, entre outros, devido a esses alterarem a degradação da bradicinina. Outros mecanismos vem sendo mostrados, como alterações do epitélio vascular, óxido nítrico, FXII (Fator de Coagulação XII), plasminogênio, etc. Ou seja, diversas moléculas e alterações vasculares podem ocasionar um angioedema.


Angioedema Hereditário


O AEH, como o nome sugere, é um angioedema com causa genética. Na maioria das vezes, os portadores tem outros familiares com histórico de angioedema, e isso é um fator importante para que seja fechado o diagnóstico. Vale salientar que, na maioria das vezes é, devido, uma menor parte desses pacientes apresentam Angioedema Hereditário sem histórico familiar, devido a uma nova mutação de gene que iniciou naquele indivíduo. Logo, apesar de ser importante, a história familiar não é condição absoluta para o diagnóstico.


A doença é caracterizada pelo aparecimento de angioedema, que pode afetar qualquer parte do corpo, sem a presença de urticária. As crises são imprevisíveis, mas existem fatores desencadeantes, que variam entre os pacientes. Os fatores mais relatados são o trauma, que geralmente ocasiona o angioedema no local afetado. Procedimentos médicos e odontológicos, como cirurgia, exames invasos como endoscopia, extração de dentes, entre outros, podem ocasionar uma crise. Além disso, extresse, temperaturas extremas e uso de algumas medicações também são fatores desencadeantes conhecidos.


Alguns pacientes relatam prodomos, ou seja, alguns sintomas ou sensações que aparecem antes da crise e instalação do angioedema, como parestesia (formigamento) no local.


Qual é quadro clínico do Angioedema Hereditário?


O quadro clínico depende do local afetado e da seriedade da crise. Pode variar de angioedema de extremidades, com edema em mãos e pés causando leve desconforto, até edema de vias aéreas superiores (língua, glote, laringe), podendo causar asfixia e morte.


É comum esses pacientes apresentarem episódios de dor abdominal de forte intensidade, causada por edema das alças intestinais. Esse quadro pode levar a cirurgias desnecessárias, por confundir com casos de apendicite e outras urgências operatórias.


O edema de vias aéreas superiores é a principal causa de morte nos pacientes com AEH não tratados. O edema de vias aéreas costuma ser insidioso e progressivo, demorando algumas horas pra instalação completa, porém pode ser abrupto e rápido, levando a asfixia se não tratado.


O que causa o Angioedema Hereditário?


O AEH é causado por um defeito na via da bradicinina, levando à um aumento da ação deste mediador, o que gera os sintomas descritos.


A principal causa do AEH é um defeito em uma enzima chamada de Inibidor da C1 esterase (C1-INH). C1 é a primeira molécula do chamado Sistema Complemento, um sistema que participa e medeia resposta imunológicas em nosso corpo. Uma das ações do sistema complemento é mediar a formação de bradicinina. Esse sistema é mediado, de forma a não causar danos no próprio organismo, por algumas moléculas, incluindo a C1-INH. Quando esta não desempenha seu papel de maneira correta, o C1 acaba não sendo neutralizado, aumentando seus efeitos, e levando ao aumento da produção da bradicinina.


O defeito da C1-INH é o mais comum encontrado no AEH. Esse defeito pode ser quantitativo (quantidade diminuída de C1-INH), que corresponde a 85% dos casos, ou pode ser qualitativo (a quantidade está normal, ou alta, porém não funciona direito), correspondendo aos outros 15% desse grupo.


Existe outro grupo de pacientes que apresentam AEH sem defeito no C1-INH, sendo causado por outras alterações. Esse grupo é chamado de AEH-n C1-INH, e incluem grupos com mutações no FXII, plasminogênio, angiotensina, dentre outros.


Por fim, existe um outro grupo de pacientes que desenvolvem sintomas semelhantes, porém não apresentam história familiar ou mutação genética detectável. É o chamado Angioedema Adquirido, que ocorre por ação similar às alterações do C1-INH, mas ocorre por consumo desta molécula, geralmente causada por outras doenças de base, como neoplasias ou doenças reumatológicas.


Como é feito o diagnóstico?


O diagnóstico da doença se inicia por uma história clínica detalhada, com aspectos importantes que podem ajudar no diagnóstico, como história familiar, não resposta a anti-histamínicos, corticoides e adrenalina e ausência de urticária associada.


Os casos suspeitos devem ser acompanhados por médico especialista (Alergista e Imunologista), se possível em centros de referência para doença.


O primeiro exame que deve ser solicitado nesses casos é o C4, molécula do Sistema Complemente. Ela se encontra baixa na maioria desses pacientes. É considerado um teste de rastreio, mas não fecha o diagnóstico e a causa.


Para os casos de defeito do C1-INH, este deve ser dosado, tanto em quantidade quanto em função. A diminuição dos níveis ou da função de C1-INH confirma o diagnóstico de AEH-C1-INH. Nestes casos, pode ser feita a detecção da variação do gene SERPING1, que é a mutação encontrada nesses pacientes. Caso os níveis de C1q também estejam baixos, o diagnóstico é de Angioedema Adquirido.


Já para os casos de AEH-nC1-INH, é necessária a demonstração da mutação que envolve os outros genes envolvidos na doença.


Para facilitar o diagnóstico, deve-se levar em conta os fatores e sintomas associados com a doença: hereditariedade, Angioedema recorrente, dor abdominal recorrente, ausência de urticária, ausência de resposta a anti-histamínicos, associação com estrogênio, e C4 baixo.


Como é feito o tratamento do Angioedema Hereditário?


O tratamento do AEH é complexo, devendo envolver diversos aspectos, como prevenção, educação em saúde, além de atendimento multidisciplinar. Os pacientes devem ser orientados, quanto a doença, como reconhecer os pródomos e os fatores desencadeantes, e saber como agir em caso de crise.


O médico responsável deve fornecer um laudo com detalhes da doença, contendo o diagnóstico, o que é, como a doença se expressa, e como é feito o tratamento medicamentoso. Esse laudo deve conter informação clara que a doença não responde a anti-histamínico, corticoide ou adrenalina, que são usualmente as medicações feitas na urgência para quem tem os sintomas do AEH.


O tratamento farmacológico engloba três etapas: profilaxia de longo prazo, que tem o objetivo de reduzir ou cessar as crises, melhorando a qualidade de vida do paciente; profilaxia de curto prazo, usada em situações que podem desencadear crises, como cirurgias, extração dentária ou exames invasivos; e o tratamento da crise propriamente dita. Vamos falar um pouco sobre eles agora:


Profilaxia de Longo Prazo


Tem o objetivo de reduzir a frequência das crises, melhorar a qualidade de vida e reduzir a mortalidade. Os medicamentos disponíveis no Brasil para profilaxia de longo prazo são andrógenos atenuados, inibidores da plasmina, concentrado do inibidor de C1 e inibidores da calicreína.


Os tratamentos de primeira linha (considerado mais eficazes e seguros) são o concentrado do inibidor de C1, tendo atualmente dois produtos aprovados pela ANVISA: Berinert® e Cinryse®, que são aplicados por via intravenosa ou subcutânea, em espaços de tempo estabelecidos, e o lanadelumabe (Takhzyro®). Apesar de serem considerados primeira linha, estas medicações não estão disponíveis no SUS, tendo a acessibilidade restrita e complicada.


Cinryze
Cinryze
Berinert
Berinert
Takhzyro
Takhzyro


Os tratamentos de segunda linha incluem os andrógenos atenuados (danazol), que está disponível pelo SUS, e o ácido tranexâmico.


O tratamento deve ser sempre individualizado, levando em conta a idade, sexo, frequência e gravidade das crises em cada paciente.


Profilaxia de Curto Prazo


Usada antes de procedimentos de risco, deve ser feita preferencialmente com o concentrado do inibidor de C1. Este não estando disponível, pode ser feita com plasma fresco. Em procedimentos de baixo risco, pode ser utilizado o andrógeno atenuado. A profilaxia de curto prazo também deve ser sempre individualizada,, levanto em conta o histórico do paciente e o risco do procedimento.


Tratamento da Crise


O tratamento da crise é feito com o concentrado do inibidor de C1 (Berinert® ou Cinryse®), ou antagonista do receptor B2 de bradicinina (icatibanto, Firazyr®). O plasma fresco fica reservado para situações em que as outras drogas não estejam disponíveis.

Firazyr
Firazyr

Lembre-se: caso você ou algum conhecido apresente estes sintomas, é fundamental a consulta com um médico Alergista e Imunologista!


Saiba mais sobre o assunto no manual prático da ASBAI: Doutor eu tenho Angioedema Hereditário.


Conheça a Associação Brasileira de Portadores de Angioedema Hereditário, que fornece informações, cadastro de portadores e médicos especialistas e pode lhe auxiliar caso você tenha a doença: Abranghe


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Quem faz: 

Leonardo Bonifácio

Médico formado pela UNIFESO

Pós-graduado em Pediatria pela IBCMED - SP
Especializando em Alergia e Imunologia pela UNIFASE

no Hospital Central do Exército - RJ

contato@leonardobonifacio.com

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